Durante os últimos anos a prática do jejum intermitente tem ganho vários adeptos. Considerado um aliado à perda de peso, esta conduta, tem-se revelado, junto da comunidade científica, benéfica noutras áreas da saúde. No entanto, ainda existe muito ceticismo relativamente a este tema, levantando impedimentos à adoção deste padrão alimentar pela comunidade.
Uma dieta de várias refeições por dia, com lanches entre as refeições principais, está tão enraizada na nossa cultura que uma mudança neste padrão alimentar raramente será contemplada pela sociedade e comunidade médica. Aprendemos desde criança que é importante comer de 3 em 3 horas, o que torna difícil a mudança deste hábito. Aliado a este padrão, existe também uma abundância e variedade de produtos alimentares nos países desenvolvidos que, com publicidade aliciante, estimulam o seu consumo, tornando-se também um obstáculo a ser superado.
Outro impedimento surge quando, ao mudar para um regime de jejum intermitente, muitas pessoas sentem fome, irritabilidade e redução da capacidade de concentração durante os períodos de restrição alimentar, o que leva a que desistam facilmente. No entanto, esses efeitos colaterais iniciais geralmente desaparecem após um mês.
É certo que uma alimentação equilibrada, com a ingestão adequada de macro e micronutrientes adaptada às nossas necessidades diárias é fundamental. No entanto, aliado a uma alimentação saudável, o jejum intermitente pode trazer inúmeros benefícios para a saúde como sugerem estudos recentes.
O jejum intermitente é um termo geral que significa fazer pausas periódicas na alimentação. É usado para descrever uma variedade de padrões alimentares em que nenhumas calorias são consumidas por períodos que podem variar de 12 horas a vários dias, de forma recorrente. Pode ser feito em vários ciclos de tempo e, dependendo dos objetivos pretendidos, pode ou não incluir restrição calórica durante os períodos de alimentação.
A comunidade científica concorda que a ingestão excessiva de energia está associada ao aumento da incidência de doenças crónicas como a obesidade, diabetes tipo 2 e a síndrome metabólica.
Um dos principais objetivos do jejum intermitente é reduzir o valor total de energia consumida, criando assim, um balanço energético negativo, que resulta na perda de peso, controlo da dislipidemia, da pressão arterial, das alterações da composição corporal e um aumento na sensibilidade à insulina. Desta forma, a restrição calórica por jejum intermitente aumenta a longevidade e reduz a incidência de doenças crónicas.
Em humanos, os três regimes de jejum intermitente mais estudados são: o jejum em dias alternados, o jejum intermitente 5:2 (jejum de 2 dias por semana) e a alimentação diária com restrição de tempo. Este último regime, também conhecido como jejum noturno, é o mais popular e adotado. Este padrão alimentar envolve jejum por um determinado período de tempo durante o dia. Normalmente a pessoa janta e só come no dia seguinte, cumprindo 12 ou mais horas sem comer.
Os períodos mais comuns são: jejum de 12, 14 ou 16 horas, sendo o de 16 horas o que demonstrou ter mais efeitos benéficos na saúde. Neste método a pessoa fica 16 horas sem se alimentar (termina de jantar às 21h e só almoça no dia seguinte às 13h, por exemplo), podendo ingerir apenas bebidas sem calorias (como: água, chá e café sem qualquer adição de açúcar ou adoçante), tendo uma janela de alimentação de 8 horas (das 13h às 21h). Nesta janela de alimentação deverá ter uma ingestão de nutrientes o mais completa e equilibrada possível, de forma a não causar um défice nutricional.
As principais fontes de energia das células são a glicose e os ácidos graxos. Após as refeições, a glicose é usada como energia. O seu excedente é armazenado sob a forma de gordura (triglicerídeos), no tecido adiposo. No período de jejum, os triglicerídeos são quebrados em ácidos graxos e glicerol, que são utilizados como energia. Estes ácidos são, de seguida, convertidos em corpos cetónicos pelo fígado, fornecendo uma importante fonte de energia para muitos tecidos durante o período de jejum, em especial o cérebro. O organismo, quando “alimentado” apresenta uma baixa quantidade de corpos cetónicos na corrente sanguínea. Estes aumentam dentro de 8 a 12 horas após o início do jejum.
Dietas que reduzem a ingestão calórica em 1 ou mais dias por semana resultam em níveis elevados de corpos cetónicos nesses dias. Os corpos cetónicos não são apenas combustíveis usado durante os períodos de jejum, são também moléculas sinalizadoras potentes, com efeitos importantes nas funções celulares e orgânicas. Estes regulam a expressão e a atividade de muitas proteínas e moléculas que influenciam a saúde e o envelhecimento.
As células respondem ao jejum envolvendo-se numa resposta adaptativa coordenada ao stress. Esta resposta leva a um aumento da expressão das defesas antioxidantes, reparação do DNA, controle de qualidade das proteínas, biogénese mitocondrial e autofagia. Estas respostas permitem que as células removam proteínas e mitocôndrias danificadas por oxidação e reciclem os constituintes moleculares não danificados. Durante esse processo reduzem temporariamente a síntese proteica global, para conservar energia e recursos moleculares.
Pessoas sedentárias e que comem demais vêm esse processo suprimido.
Vários estudos indicam que muitos dos benefícios do jejum intermitente estão separados dos seus efeitos na perda de peso. Esses benefícios incluem melhorias na regulação da glicose, pressão arterial, frequência cardíaca e perda de gordura abdominal, melhorando assim o controlo da obesidade, a resistência à insulina, a dislipidemia, a hipertensão e a inflamação.
O jejum intermitente parece conferir benefícios à saúde, em maior extensão do que uma dieta em que apenas exista uma redução na ingestão calórica. Além de ambas as práticas levarem a uma redução de peso semelhante, as pessoas que fizeram jejum intermitente tiveram um aumento maior na sensibilidade à insulina, uma redução maior na circunferência abdominal e um aumento da perda de gordura mantendo a massa muscular ao realizar treinos de força.
Alguns estudos sugerem ainda que a nível cerebral, o jejum intermitente causa efeitos celulares e moleculares semelhantes aos do exercício físico regular melhorando a função cognitiva. Investigações realizadas recentemente demonstram que adultos mais velhos, sujeitos a um regime de restrição calórica de curto prazo melhoraram a memória verbal, memória de trabalho e cognição global.
Embora exista uma escassez de resultados de pesquisa acerca das contraindicações do jejum intermitente, este padrão alimentar pode não ser apropriado para crianças, mulheres grávidas ou a amamentar ou outros grupos com maiores necessidades nutricionais. Devem também ter cuidado pacientes com diabetes tipo 1, pelo risco aumentado de cetoacidose diabética, ou pessoas que tenham episódios recorrentes de hipoglicemia (níveis baixos de açúcar no sangue).
Adultos que estão nutricionalmente comprometidos devido a condições associadas à má absorção ou ingestão calórica limitada (p.ex: doença inflamatória intestinal) devem ser avaliados cuidadosamente.
O jejum intermitente também não é recomendado para pessoas com transtorno alimentar existente ou com o seu histórico, como anorexia ou bulimia.
Diversos estudos clínicos mostram que a prática do jejum intermitente tem benefícios de amplo espectro para muitas condições de saúde como a obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, cancros e distúrbios neurológicos.
Os praticantes podem começar a reduzir gradualmente a janela de tempo durante a qual consomem alimentos (janela de alimentação), com o objetivo de jejuar por 14 a 16 horas por dia. A duração do jejum pode ser ajustada de acordo com a tolerância e adesão do praticante.
Se a pessoa tiver alguma doença pré-existente deverá consultar um profissional de saúde competente, de forma a garantir que as necessidades nutricionais estão a ser cumpridas e confirmar se poderá existir algum prejuízo na prática deste regime. Esta supervisão clínica rigorosa pode não ser necessária, se não existir patologias major e se a pessoa estiver com boa saúde e tiver alguma literacia nutricional, que a permita tomar as melhores decisões alimentares.
Durante a janela de alimentação deve ser adotada uma ingestão de alimentos equilibrada, fazendo escolhas mais saudáveis, de forma a garantir uma ingestão adequada de nutrientes.